Produtora da Cidade Estrutural, a Cutucart firma seu nome no cenário cultural e se mostra como uma das mais agitadoras agrupações artísticas do DF.
Produtora de conteúdo cultural desde 2006, a Cutucart originou-se como coletivo artístico e hoje atua no segmento de forma diversificada em produções de entretenimento do Distrito Federal. Ela nasceu do encontro entre o diretor e arte-educador Getulio Cruz e jovens artistas da cena brasiliense que, a partir de suas identificações, firmaram-se no cenário teatral da capital, produzindo espetáculos de grandes dramaturgos brasileiros e obras autorais.
Atualmente, a Cutucart segue criando produções de entretenimento e oficinas formativas de cunho social em regiões administrativas. Por meio dessas atividades, impulsionam novas criações e estimulam o fortalecimento criativo da Cidade Estrutural e de sua identidade cultural.
Agora, em 2022, a Cutucart apresenta seu mais novo trabalho: O espetáculo "Vladimir".
“Vladimir” tem dramaturgia de Iury Persan e estreia em 2022 com apoio do FAC-DF. O trabalho foi desenvolvido a partir da comicidade física para falar sobre a vida de um azarão que mora em um barraco improvisado e cercado de remendos. É nesse lugar, em meio à esperança de mudar de vida, que Vladimir é surpreendido pela chegada de uma ladra.
Os dois personagens da trama surgem como caricaturas, que através da gestualidade dos dois atores, desenham no palco situações tragicômicas repletas de simbologias. Com base no princípio da palhaçaria, onde rir de si mesmo e de suas mazelas torna-se conteúdo, criou-se um ambiente propício para transgredir o imaginário social que estigmatiza essas personas tão presentes no cotidiano do nosso país.
"Vladimir é meu alter ego. É a expressão da minha infância na forma adulta. O que foi colocado no texto é a verdade da qual eu vivi e tenho marcado na minha história. E só quando me propus a escrever o roteiro me dei conta do quanto a gente negligencia nossas vivências. E elas estão na na nossa pele, na nossa fala… Vladimir sou eu, é meu vizinho, é seu pai. Existem muitos 'Vladimires' Brasil afora", resume o ator e dramaturgo Iury Persan.
A esperança de Vladimir se resume a um bilhete de loteria, onde, diariamente, deposita suas expectativas de sair daquela situação e vivenciar os prazeres e o luxo que o dinheiro tem a oferecer. O prêmio seria capaz de mudar a vida de “Vlad” por completo?
Levar o espetáculo para a comunidade da Estrutural é uma oportunidade de construir uma política cultural efetiva na cidade, além de promover seus artistas locais. A cidade sempre foi atrelada ao antigo “Lixão”, maior aterro sanitário da América Latina em funcionamento desde 1950 (e que recentemente foi desativado). O projeto visa ainda descontruir o estigma do local através da arte teatral, fazendo com que esse termo pejorativo seja substituído cada vez mais por exaltações às manifestações artísticas de seus moradores, além de proporcionar, através da linguagem teatral, o acesso da comunidade periférica à produção e criação artística, que buscará, assim, desenvolver caminhos para a formação de um público local e o estímulo ao pensamento crítico. De acordo com o diretor Getúlio Cruz, "a peça mescla diversas linguagens, brincando com o natural e perverso mundo da pobreza, o que faz com que seja explorado o lado criativo dos atores, cujas personagens, embora vivam em mundos paralelos, se tornam próximos e únicos em suas situações".
"Vladimir" será apresentado de graça ao público da Cidade Estrutural nos dias 01, 02 e 03 de abril no Centro Cultural CREAS | Agência do Trabalhador Área Especial Nº 9 - Praça Central da região. Sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. A classificação é livre.
Produzir um espetáculo atualmente revela, obviamente, desafios da década. Em meio à pandemia da Covid-19, a produtora adaptou seu trabalho para que "Vladimir" pudesse ser montado com excelência. O formato semipresencial foi imprescindível para a realização da obra. Parte da equipe esteve presente no teatro para levantar as cenas e a estrutura da peça e outra parte da equipe acompanhou o processo de criação pela internet para começar a elaborar outras ações, como divulgação e logística. Palco de teatro agora também é estúdio e essa versatilidade é a cara da Cutucart.
"Fazer parte desse espetáculo é gratificante. Falamos sobre situações cotidianas e difíceis de uma forma cômica. É uma forma de dizer que mesmo com todas as dificuldades que vivemos, sempre vai ter uma parte boa para aproveitar. 'Vladimir' traz a esperança em meio ao caos", reflete Analu Rangel, atriz do espetáculo.
SEDE DE PALCO
Quem trabalha com teatro e arte-educação entende muito bem a importância da iniciação artística para adolescentes. A própria Cutucart nasceu desses encontros. Getúlio Cruz e a equipe, inicialmente formada por jovens que cursavam artes cênicas na Faculdade Dulcina, Universidade de Brasília ou em diferentes cursos técnicos, hoje se profissionalizam e ajudam a formar novos artistas e novas plateias através de seus espetáculos e vivências, devolvendo à sociedade a oportunidade que um dia seus membros tiveram, afinal, os jovens iniciantes de ontem são (e serão) os produtores e agentes culturais de hoje e de amanhã.
Ao longo dos anos, a Cutucart sempre se fez presente nos palcos no DF. Hoje a estreia da vez é de "Vladimir", mas essa história não começa aqui. Mais de 10 espetáculos contam com o selo da produtora. Dentre as obras, destaque para:
"Quase Nada do Mar", espetáculo autoral do Cutucart que estreou em 2019 com apoio do FAC DF. A obra surgiu como uma afirmação da identidade do grupo, usando da coletividade para debater problemáticas da sociedade contemporânea, tendo como foco o individualismo humano;
"Naquela Estação" estreou em 2015, mas se manteve em circulação por alguns anos. A peça usava como elemento condutor de sua dramaturgia as relações que se dissipam com o passar do tempo. Todo o enredo se passa numa estação de trem em que os personagens aguardam algum acontecimento que mude suas vidas;
Com linguagem poética composta por dramaturgia e trilha sonora originais, "Cor de Amor(a)", que estreou em 2013, falava sobre o amor e suas idealizações, expectativas e ilusões. Na obra, dois personagens se encontram em um jardim, que se transforma em mundo paralelo e particular para eles. É dentro deste ambiente metafórico que eles constroem a própria relação;
"A Caravana da Ilusão" é um texto escrito pelo dramaturgo brasileiro Alcione Araújo. O espetáculo de 2013 apresentava a narrativa de uma trupe mambembe que, após a morte do líder, coloca os demais personagens diante de várias incertezas;
Através da estética do teatro gestual, o espetáculo “Seca” surgiu para abordar a problemática da aridez nordestina, trazendo temas como fome, sede, frieza, esperança e infertilidade como condutores de sua narrativa. A peça criada em 2010 retratava a vivência de uma família que, em meio à escassez d’água, tinha como último refúgio a esperança.
"A Cutucart se desenvolveu junto com a cidade. Cada projeto que a gente movimenta na comunidade é também uma realização pessoal, uma oportunidade de construção desse espaço cultural. E para isso, ressalto a importância das leis de incentivo, de forma que essas ações sejam realizadas de maneira continuada, algo imprescindível para a descentralização do acesso à arte", explica Bia Oligar, produtora do novo projeto.
MUITO MAIS QUE TEATRO
Flertando com outras estações da produção artística do DF, a Cutucart marca seu espaço dentre agitadores culturais que movimentam as cidades por meio de boas iniciativas que valorizam o trabalho de produtores, técnicos e artistas, levando ao público diferentes possibilidades de fruição e de participação popular.
Oficinas, mostras artísticas, eventos multilinguagem e de formação de plateia fazem parte da rotina da equipe, que ano a ano se aperfeiçoa para abraçar mais e mais projetos. E a ideia é não parar...
"A Cidade Estrutural tem visto, nos últimos anos, uma interessante movimentação de eventos culturais e artísticos, seja com batalhas de rap, as Ballrooms do movimento LGBTQ+, espetáculos teatrais e mostras. Todas essas manifestações surgem para celebrar o fazer artístico e apresentar os artistas da região", comemora o produtor Lucas Isaksson.
Dentre os projetos multilinguagens da Cutucart, destacam-se:
"Subúrbia" - Mostra de Arte e Cultura da Estrutural. O evento realizado em 2021 contou com mais de 20 atrações de diferentes expressões artísticas como teatro, dança, música, audiovisual e performance, fortalecendo o intercâmbio cultural e contando com artistas da Cidade Estrutural e de outras Regiões Administrativas de Brasília;
O projeto "Corpoesia" consiste em oficinas formativas, visando aprimorar talentos e habilidades nos diversos segmentos do fazer teatral. As ações já passaram por diversas Regiões Administrativas, como Cruzeiro, Gama, Recanto das Emas e Plano Piloto. Em 2018, o projeto foi contemplado no edital Regionalizado do Fundo de Apoio à Cultura, da SECEC- DF. O curso foi oferecido gratuitamente para jovens e adultos da Cidade Estrutural, resultando em dois espetáculos apresentados na própria comunidade;
Em 2012, a Cutucart compartilhou sua experiência cênica com jovens e crianças da Cidade Estrutural e do Cruzeiro por meio do projeto “Teatro Estrutural”. Numa parceria com escolas públicas das regiões, 130 estudantes tiveram um contato mais profundo com a arte e o teatro;
E lá nos idos de 2011, a "I Mostra de Arte e Cultura do Cruzeiro" foi realizada no Centro Cultural Rubem Valentim, Cruzeiro Velho/DF. Feita de forma independente, o projeto reuniu diversos artistas e produtores culturais da cidade, contando com a participação de mais de 15 atrações de diferentes expressões artísticas, se tornando um marco do lazer e da cultura da cidade, um espaço de apreço e diálogo entre artistas e comunidade.
"A estreia de um novo espetáculo na Cidade Estrutural é mais uma das oportunidades que a Cutucart vem criando nos últimos anos a fim de fortalecer a cultura local e evidenciar o potencial artístico da cidade. Com esta nova produção, a Cutucart firma sua parceria com a cidade, tendo a região como seu celeiro criativo e lugar de protagonismo. O público merece o melhor", finaliza Wanderson de Sousa, produtor de "Vladimir".
Manter uma agrupação artística em plena atividade, ainda que durante uma grave crise nacional, só comprova que o incentivo à arte e à cultura reverbera e ecoa por um período maior do que o estipulado pelos projetos culturais A arte segue em frente, o pensamento crítico também. E é essa força motriz que rege a continuidade da Cutucart, que hoje é presença constante nas agendas culturais do Distrito Federal, comprovando que o que brota na periferia espalha sementes para além das fronteiras imaginárias das cidades, criando e recriando a identidade de um povo.
Para conhecer mais o trabalho da Cutucart, acesse:
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