Após três anos sem energia elétrica, Teatro Dulcina abre as portas para comunidade artística realizar um mutirão de limpeza e de aceleração de inventário cultural da FBT.
Quando uma chamada em busca de voluntários é realizada pelas redes sociais, o risco de o evento ou da ação não funcionar é grande, mas não foi o que aconteceu nesta terça-feira (15 de agosto). Vários artistas, professores, seguidores de redes sociais e incentivadores do Teatro Dulcina compareceram numa ação histórica.
O prédio não recebia visita do público desde o início da pandemia, quando as atividades foram pausadas. Com o corte da energia elétrica, o local ficou sem luz por três anos. Ainda assim, voluntários das áreas de pesquisa teatral, da moda e da museologia estão há mais de um ano trabalhando no escuro no intuito de terminar o inventário do rico acervo cultural da atriz Dulcina de Moraes, da Companhia Dulcina Odilon (anos 1930 a 1960) e da Fundação Brasileira de Teatro (a partir dos anos 1950).
O trabalho, realizado religiosamente às terças, quintas e sábados no turno da manhã, ganhou com a volta da energia elétrica a possibilidade de mais tempo no local, visto que anteriormente os pesquisadores dependiam da incidência da luz solar e de lanternas. O prédio tombado acumulava dívidas com a Neoenergia chegando ao valor de R$ 480 mil. Negociações com a distribuidora permitiram reduzir os débitos e ganhar prazo para o pagamento. As negociações fazem parte da estratégia adotada pela atual gestão da fundação, que precisou mapear os problemas de administrações passadas para reconquistar a confiança dos órgãos do DF e dar sequência às atividades culturais no espaço. A estimativa é agora tentar parcerias para que, em um ano, o teatro possa voltar a ser acessível ao público. Será necessário um trabalho rigoroso para reabertura do espaço.
A Neoenergia cancelou os juros atrasados, concedeu uma entrada de R$ 15 mil e permitiu parcelas de R$ 4 mil mensalmente, o que possibilitou o pagamento. Dessa forma, a dívida saiu dos R$ 480 mil para R$ 65 mil e também foi feito um acordo para renovar a estrutura e ter mais economia energética.
Ligar a luz é o primeiro passo para que a equipe possa tentar resolver outros problemas acumulados pelas antigas gestões com o passar dos anos. Somente com esse mapeamento, as dívidas trabalhistas e as articulações acadêmicas da Faculdade, que ocupa o mesmo prédio do teatro, poderão ser resolvidas, caso a caso.
FORÇA COLETIVA
O saldo do mutirão foi positivo. De acordo com os organizadores, 100 figurinos foram inventariados e fotografados em apenas um dia de trabalho - a média comum é de 28 figurinos por semana, visto que a equipe fixa é composta por quatro integrantes. Com o adiantamento do inventário dos figurinos, as museólogas Desiree Calvis e Letícia Amarante acreditam que 80% do inventário têxtil foram concretizados. No entanto, elas alegam que ainda precisam de ajuda para o inventário das fotografias. Das mais de 2.500 existentes, 200 já passaram por revisão e ganharam número de série.
O movimento de pessoas no Teatro Dulcina e suas dependências durante o mutirão foi estimulante. Ao longo do dia, voluntários iam embora enquanto outros chegavam. Artistas como André Amahro, Liduina Bartholo, Glória Teixeira, Maria Eugênia Félix e Alaôr Rosa apareceram para apoiar a ação. Do conselho curador da FBT, Raimundo Nonato marcou presença e parabenizou o trabalho desenvolvido.
Com muitos baldes de água (visto que os acordos com a CAESB ainda estão em andamento para religar a distribuição), funcionários e voluntários se desdobraram para higienizar as mais de 300 poltronas e 100 cadeiras do teatro.
"Limpar o teatro, independente de haver agenda ou não para futuras locações, é importantíssimo. Não é sobre tirar o pó e passar pano de chão para usar amanhã ou na semana que vem. É sobre trazer dignidade ao lugar concebido por Dulcina e que merece, de todos nós que nos formamos lá, respeito e zelo. ", comenta Josuel Junior, ex-aluno e atual diretor cultural da FBT.
A divisão de equipes foi primordial para a dinâmica do trabalho. No laboratório técnico montado no subsolo do prédio, a designer de moda Tabatta Barcelos ficou responsável por orientar entusiastas na busca por itens raros do acervo. No laboratório técnico principal, a consultora de corte e costura Ana Maria da Silva orientou os recém chegados na tarefa de costura de etiquetas. O fotógrafo Bruno Gustavo ficou responsável pelo registro, enquanto uma equipe corajosa assumiu a missão de levar o cristal de Dulcina, que por 26 anos esteve no túmulo da atriz, ao seu local de origem na própria sede da Fundação Brasileira de Teatro. A decisão de levar o cristal de volta ao prédio foi tomada após análise dos diários e escritos de Dulcina de Moraes, além de entrevistas com parentes vivos que conheciam o lado místico da artista.
O mutirão faz parte das ações da Direção Cultural da FBT e teve como foco potencializar o trabalho de inventário do acervo cultural de Dulcina de Moraes para fins de tombamento dos itens que compõem o patrimônio material e imaterial do teatro brasileiro. Todo o trabalho de inventário é supervisionado pela Comissão Permanente de Análise e Avaliação de Registro e Tombamento Cultural, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, que esteve representada pelo membro Júnior Ribeiro para acompanhar e participar do trabalho realizado na terça-feira.
"Eu costumo dizer que a literatura me salva todos os dias, mas hoje foi a vez do teatro me salvar. Que alegria é participar dessa ação de limpeza do teatro e ter ajudado a subir o cirstal de Dulcina para o seu lugar", comemora o escritor Paulo Souza, que atendeu ao chamado do mutirão pelas redes.
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