A obra, do grupo Tablado SP, procura investigar os interstícios do exército brasileiro, na busca de entender a lógica de pensamento por trás da farda; a nova temporada acontece no TUSP - Teatro da USP
Partindo de situações e personagens reais em momentos decisivos da história recente, e procurando rastrear, desde 2005, o papel do Exército Brasileiro nessas transformações, VERDADE refaz os caminhos da ascensão de um dos maiores exemplos mundiais da extrema direita contemporânea no poder, imaginando situações que jamais teremos como acessar.
Assim como na trilogia Abnegação (2014-2016), que olhava criticamente para o PT, e no espetáculo Branco (2017), que abordava a questão da branquitude, em Verdade o grupo dá continuidade à proposta de debater questões políticas polêmicas e extremamente atuais. Agora, a dramaturgia se debruça sobre a lógica de pensamento militar. A ideia da obra é tentar abordar os militares brasileiros como se fossem membros de uma outra cultura com ethos próprio e modos de raciocinar igualmente diversos do nosso. A obra é resultado de pesquisa coletiva de mais de dois anos, em que o Tablado SP organizou debates, leituras cênicas e outras ações, com o apoio da Lei de Fomento para a Cidade de São Paulo.
Estão na peça, além do já citado General Heleno, outras figuras do Exército Brasilleiro como os generais Hamilton Mourão, Eduardo Villas-Boas, Enzo Peri, Maynard Santa Rosa, Sérgio Etchegoyen, Carlos Alberto Santos Cruz, Edson Pujol e o coronel Paulo Malhães. E também personalidades da esquerda como no embate entre o ministro Aloizio Mercadante (Clayton Mariano) e a presidenta Dilma Rousseff (Alexandra Tavares), quando da assinatura da lei que veio a instaurar a delação premiada.
O foco da pesquisa foi a (re)militarização do país que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. No entanto, para o grupo, é ainda mais urgente refazer a obra em 2023, quando Lula retorna ao poder. "Agora que temos a chance, ainda que remota, de fazer algo para enquadrar os militares brasileiros e recolocá-los no seu lugar, ao que tudo indica isso não está sendo feito, porque novamente, como já se deu no fim da ditadura, estamos achando melhor deixar esse problema para depois. A história mostra que esse problema - os militares brasileiros - não se solucionará por si só. Acho que a peça é uma tentativa de olhar frontalmente para a questão e, algo mais urgente hoje, evitar que joguemos novamente para baixo do tapete esse imenso elefante branco que são as Forças Armadas", diz Alexandre. No palco, são tratadas questões políticas tendo como objeto de estudo as estratégias contemporâneas utilizadas pelos militares brasileiros para a ocupação do poder no Brasil, cuja gênese remete à Lei da Anistia (1979) e à Comissão da Verdade (2011-14). Por isso, Verdade busca olhar para os militares, com sua estrutura, a partir de hipóteses.
Um dos conceitos que veio à tona ao longo da pesquisa, e que norteia a escrita da obra, é o termo ‘guerra híbrida’, uma “guerra por procuração”, em que os verdadeiros agentes do conflito permanecem invisíveis, e que já está em andamento no Brasil, com o avanço de militares em várias esferas do Poder federal, de forma silenciosa, sem chamar a atenção. Neste momento, em 2023, importa ao grupo retornar com a obra para pensar sobre o fato de que a guerra híbrida não está em curso apenas quando vemos os seus resultados, muito ao contrário, é justamente em períodos como este, com Lula no poder, e antes com Dilma, que tais estratégias tornam-se mais importantes e operam com mais força, por isso, é ainda mais importante olhar para elas agora.
Costurando a vida real com a ficção Saídos das páginas de política de qualquer noticiário recente, é no teatro que o público terá contato com ações que compõem estratégias que alguns identificam como sendo parte de uma guerra híbrida - no caso, efetuada para dentro do próprio país. Trata-se da tentativa de entender como se deu a ascensão do atual conservadorismo no país, a partir da ótica das Forças Armadas. Cabe frisar que os frutos de tal conservadorismo, se perderam o cargo central do executivo, ganharam muitas cadeiras no legislativo, sem falar em governos estaduais, de modo que, longe de estar em baixa, a escalada autoritária segue em curso.
Tanto a encenação, quanto a dramaturgia da obra se instauram por meio de um olhar que procura supor acontecimentos, situações, maneiras de pensar. Com um pressuposto documental, a obra narra momentos concretos da história recente do Brasil. “Evidentemente que não tivemos, e não teremos, acesso ao que realmente ocorreu nesse dia, nessa sala de comando. Então, nos pusemos a imaginar hipóteses, para esta situação, e para todas as que se seguem”, explica Dal Farra.
Desfiando um fio histórico Em cena, os atores vestem máscaras de látex, representando velhos genéricos - para transformar aqueles personagens em entidades algo impessoais, talvez fantasmagóricas. Ao retirarem as máscaras, os atores assumem então personagens reais - por exemplo, Nilcéia Vicente ora faz o papel de General Heleno, ora do Villas Boas, passando pelo Etchegoyen e por Bolsonaro. No entanto, o desencaixe entre ator e personagem nunca se perde, mantendo-se sempre explícito o gesto de se tratar de uma hipótese para algo que não temos como conhecer de fato.
Em meio a todas essas camadas, que aos poucos vão se sobrepondo no tempo, a certa altura do espetáculo, instaura-se de fato um olhar plausível do que poderia ser um militar, e do que poderia de fato ser o olhar deles sobre nós. A hipótese como que ganha certa vida própria, e consegue se sustentar por algum tempo.
As situações narradas iniciam-se em 2005, no quartel da MINUSTAH, no Haiti, em uma sala de comando, quando o general Augusto Heleno dá às suas tropas as diretrizes para uma ação em Cité Soleil que depois será considerada como um massacre. E vão até o dia 6 de setembro de 2019, quando o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro é vítima de uma facada em Juiz de Fora (MG). Quase sempre, o ponto de vista pretendido é do Militar.
Entre os outros fatos dramatizados estão a instauração da Comissão Nacional da Verdade, em 2010 (obrigada pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos, depois de anos de luta das famílias dos mortos e desaparecidos da ditadura brasileira), uma entrevista concedida pelo Coronel Paulo Malhães a uma jornalista em sua residência (pouco tempo antes de ser assassinado, em um alegado oficialmente latrocínio), uma conversa entre o ministro Aloizio Mercadante e a presidenta Dilma Rousseff, entre outras situações.
QUEM FAZ Texto e direção: Alexandre Dal Farra
Atores: André Capuano, Alexandra Tavares, Clayton Mariano, Gabriela Elias e Nilcéia Vicente
Cenário: Alexandre Dal Farra, Stéphanie Fretin e Camila Refinetti
Luz: Wagner Antonio
Assistência de Iluminação: Dimitri Luppi
Figurinos: Victor Paula
Operação de Luz: Julia Orlando
Cenotécnico: Flávio Rodriguez
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação - Marcia Marques - Carol Zeferino - Daniele Valério
Produção: Corpo Rastreado - Leo Devitto
Idealização: Tablado SP
PROGRAME-SE VERDADE De Alexandre Dal Farra, com Tablado SP Temporada: de 25 de maio a 18 de junho de 2023, quinta a sábado às 20h e domingo às 18h. Local: TUSP - Teatro da Universidade de São Paulo R. Maria Antônia, 294 - Vila Buarque, São Paulo - SP Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia) - Ingressos no Sympla (https://www.sympla.com.br/produtor/corporastreado) e na bilheteria do teatro Duração: 90 minutos Recomendação: 14 anos Lotação: 98 lugares Gênero: drama
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