O artista de Brasília realizou uma série de fotoperformances no período de isolamento e as imagens criadas ganharam as redes. As provocações poéticas lançam diferentes olhares sobre a intimidade humana.
Nos anos 1980, Rita Lee abriu uma de suas músicas com o verso "Com a sutileza de um furacão você vai tomando conta do meu coração, baby...". Esse trecho da canção "Vítima" ilustra bem a criação artística de Jonathan Andrade, que passeia por diferentes estações da arte e da comunicação, sempre explorando o que há de mais intenso e visceral no ser humano.
Em Brasília ele não precisa de apresentações. É figura presente em diferentes temporadas e festivais de teatro. Jonathan Andrade é professor de teatro, poeta, ator, diretor, dramaturgo e cenógrafo, bacharel em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília. É integrante fundador do Sutil Ato, grupo teatral de pesquisa no qual realiza experimentações nos campos da atuação, da cenografia, da dramaturgia autoral e das poéticas narrativas. Em sua trajetória artística assinou a direção de diversos espetáculos premiados, como os recentes "Tsunami" e "Autópsia". Em 2017, apresentou em Lisboa e Porto a prática Aisthesis, com o qual também desenvolveu trabalho com Vera Mantero, considerada como uma das maiores coreográficas europeias do século. Foi aí que a performance criou raízes em sua prática artística.
No período de isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus, Jonathan se aventurou por outros caminhos e fez uma série de fotoperformance que repercutiu bastante nas redes. As fotos carregam em si a força de um criador inquieto, brutal, provocador. Uma mistura entre o ácido e o doce, entre a leveza e o soco no estômago. A verdadeira definição da "sutileza de um furacão". Como fotografia é algo que não expira com o tempo, as publicações nas redes sociais dele seguem surpreendendo novos e velhos seguidores.
"Estou desenhando um projeto para um solo meu. Esse solo mexe também com minha ancestralidade. Assim surgiu a vontade de fazer esse ensaio fotográfico. Há anos tenho flertado com a fotografia, mas de uma forma tímida. Os ensaios estão, de certa forma, alimentando a dramaturgia desse novo projeto. Há aí uma pesquisa etnográfica, biográfica, de ancestralidade. São sentimentos meus. É o meu corpo expelindo um pouco da minha subjetividade, que está isolada."
Nos últimos sete anos, Jonathan teve uma rotina teatral intensa e ininterrupta. Presente em salas de ensaio de manhã, de tarde e de noite, o artista viu na pandemia e no isolamento social uma espécie de represa de suas ideias e criações. Como toda represa construída às pressas, é natural que as sensações e emoções desaguem em algum momento. Assim, as fotos ganharam forma e conteúdo. Para isso, foi essencial a contribuição de Wellington Oliveira, parceiro de vida e de profissão de Jonathan.
"A ideia das fotos vem de uma tentativa de reocupar e ressignificar o meu espaço de isolamento. Foi uma maneira de manter a minha musculatura poética-criativa ativa. Nesse momento em que estamos vivendo tenho pensado muito sobre a teatralidade. Tenho vivido intensamente o isolamento e alimentando minhas redes de criação. Os ensaios que faço são uma maneira de expandir a minha figura pessoal cotidiana. Essas intervenções performáticas fazem a vida ter sentido... principalmente pra mim."
A repercussão foi inevitável. As imagens e composições comunicam a angústia e os mil pensamentos que artistas têm todos os dias em seus lares, principalmente se analisarmos a situação crítica pela qual a cultura tem passado no Brasil. Essa identificação do público da internet com os primeiros posts fez com que uma nova rede de contatos começasse a se desenvolver.
"Foi criada uma relação com pessoas na rede. A criação de uma rede com pessoas que eu não conheço. Teve uma expansão de diálogo e troca que eu não esperava. Eu não tenho uma pretensão de ter que seguir fazendo, mas ainda sinto que tenho muito o que experimentar. No teatro, estamos viciados com a afetividade da presença do outro e quando você vivencia isso pela rede é muito interessante. É interessante acolher essas pessoas de lugares distintos do mundo comentando e estabelecendo uma troca estética comigo e com o trabalho. Há pessoas que se inspiraram nos ensaios e passaram a fazer os delas também."
Ainda é cedo para saber se esse novo público e essas novas interações irão se fortalecer e, consequentemente, migrar para o teatro presencial pós-pandemia. Na era de streaming, é natural que todos os materiais comecem a ser disponibilizados e isso atinge também os artistas enquanto comunicadores de algo. De acordo com Jonathan, a grande potencia da rede da internet é poder ser coletividade e isso afeta, diretamente, o modo de repensar a tradição de linguagem dentro do teatro.
"Os tempos mudam, as tradições mudam. As tradições precisam mudar. O isolamento e as redes estão gerando uma overdose na gente. O teatro agora será mais essencial. O nosso entendimento de presença, de coletividade, de troca e comunhão hoje é mais urgente do que nunca. O teatro é a linguagem do futuro porque estamos saturados do isolamento, do distanciamento. Temos que devolver as teatralidades e alcançar novos públicos, talvez numa linguagem ainda mais acessível. Tenho tido mais pistas e provocações das redes do que respostas."
Se você quer conhecer mais sobre o trabalho do artista, acesse o instagram @jonath.a.ndrade.
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