Ela é uma louca... Uma louca adorável! Uma louca lutadora, empreendedora, gestora e agitadora cultural. Em tempos de muito pensamento formativo, temos que louvar as loucuras positivas das artes. Precisamos falar de Lucélia Freire!
Conheci Lucélia Freire na Faculdade Dulcina. Eu era calouro e ela veterana. Uma menina sem papas na língua. Tinha uma força de discurso muito grande e uma gargalhada que me assustava e me encantava ao mesmo tempo. Não sei ao certo se pegamos disciplina juntos. Talvez uma ou outra... mas sei que estivemos juntos em alguns rolês culturais.
De repente, Lucélia deixou de ser uma colega de faculdade e se tornou uma gestora cultural. Essa transição foi determinante para que eu a escolhesse para a coluna "Precisamos falar de...". Mas vamos do começo...
Ela é diretora, atriz, professora, arte-educadora, produtora, administradora e proprietária da No Ato Produções. Pesquisadora em dança popular, Lucélia se formou em Licenciatura Plena em Artes Cênicas na Faculdade Dulcina de Moraes. Em curso com Cristiane Sobral em 2007, lançou seu olhar também à dramaturgia. Por um período, viajou pelo Brasil com o grupo de teatro de rua Brinca Aqui Brinca Acolá, dando início à sua atual pesquisa independente em cultura popular, firmando parceria com o mestre Jorge Marino e ajudando a perpetuar a memória e raízes das danças populares.
Cursou na Oficina de Iniciação Teatral Circo Íntimo e atou como professora por três anos no curso de Teatro Infantil na Cia Teatral Néia & Nando. Trabalhou como professora em projetos sociais, priorizando a inclusão de meninos e meninas de rua e comunidades carentes, realizando projetos nas localidades do Varjão, São Sebastião, Planaltina, Estrutural, Sobradinho e no centro de Brasília. Não para aí não... Ela ministra aulas de coco, frevo, xaxado, cacuriá, forró, ciranda, boi e tambor de crioula. Atuante como professora de cursos livres há 14 anos, ainda divide suas tantas atividades com a de atriz em diversos espetáculos do DF.
Como Dramaturga e Diretora, trabalhou em "Butiquim do Noel", "De Boas Intenções o Inferno tá cheio", "Alô Comunidade", "Nobre Vagabundo", entre outros. Em 2013, com sua Cia de Teatro No Ato, assinou dramaturgia e atuou no espetáculo "Maranhado de histórias" em escolas públicas do DF. Em sua escola de teatro, coordena oficinas de iniciação teatral, teatro de rua, teatro para pessoas com necessidades especiais, projetos de teatro-escola, workshop de teatro para advogados e teatro empresa.
É muita coisa, não é mesmo? Pois bem... Em conversa com Lucélia, quis entender como foram esses processos e essas transições entre a estudante de Artes Cênica e a mulher das artes de Brasília.
"Quando entrei na faculdade eram tudo flores. Depois, fui pega de surpresa. Assim como muitos colegas, trabalhei pra pagar as mensalidades e, por diversas vezes, tive que desistir de matérias pra dar conta do trabalho. Por isso até demorei pra me formar!".
Mas se formou! Se formou e antes mesmo de pegar o diploma já estava em sala dando aula. E aquela energia de 220w continua ativa. Agora, com mais maturidade. Lucélia foi assumindo uma postura de liderança reconhecida pela comunidade artística de Brasília. Ela sabe como cobrar disciplina de seus alunos sem ser carrasca, tentando, ao máximo, entender o contexto e realidade que cada um vive.
"Empatia foi meu grande aprendizado entre sair do Dulcina e ser dona de uma escola de cursos livres. A paixão pelo teatro continua a mesma, mas, apesar de saber que preciso ir pro palco exercitar, me realizo muito mais em sala de ensaio. Então, a docência me conquistou profundamente."
A artista confessa que antes sonhava em fazer a diferença no palco como uma grande atriz dramática. Com o tempo, descobriu o desafio que é chegar no tão sonhado palco e o universo de outras possibilidades que existem. Foi nessa constatação do ritmo de trabalho que foi observando melhor um mundo de oportunidades. Lucélia foi descobrindo que gostava mais dos processos do que dos resultados finais. Foi nesse momento que se deu conta de que estava plantando e colhendo ao mesmo tempo. Daí em diante foi só aceitar e aproveitar!
"Durante esses anos de docência fui descobrindo o que me deixava eufórica em sala. Sempre me cobrei em me divertir no meu trabalho. Claro que não é assim todos os dias. Mas em sua maioria, é. E o que me deixa eufórica é proporcionar uma vivência teatral completamente diferente das que eu tive, uma vivência que as pessoas lembrassem pra sempre! Isso me fez criar um método meu, sem copiar dos colegas e saber a importância de cada um na caminhada."
Lucélia comenta que teve a oportunidade de administrar espaços junto com sua ex-sócia e fundadora da No Ato Produções, Luana Proença. Foi nesse período com Luana que aprendeu muito sobre finanças, sobre gestão de pessoas, gestão de tempo e de projetos culturais. Ela sabe que trabalhar para a arte é resistir e que ser mulher artista é resistir e lutar todos os dias. E ela adora! Adora ser a diretora maluca, a professora que chora com os alunos, a mãe solo que dá conta de uma empresa, a empreendedora que forma uma equipe de ex alunos que não são da área artística, mas acreditam em seu trabalho e que a fortalecem diariamente. Ela é voz e também é colo. Tudo junto e misturado!
Com a pausa em todo o segmento artístico durante a pandemia do coronavírus, as atividades de sua escola estão pausadas, porém, logo logo tudo volta ao normal. Agora, em 2020, a No Ato Produções completa 12 anos. 12 anos com a oficina de Iniciação Teatral para atores e não atores. São muitos os colegas de trabalho e parceiros que passaram por lá. Eu mesmo sempre recomendo o curso quando algum colega jornalista pede indicação de um curso bom para aperfeiçoamento de performance pública.
A No Ato realiza o Festival de Teatro Amador de Jovens e Adultos do DF, que está a caminho da 20ª edição. No festival, a equipe é totalmente formada por ex-alunos que dão um banho de profissionalismo e trabalho em grupo, tendo a oportunidade de começar a entender e estudar os bastidores do teatro. A audácia dessa agitadora cultural não termina e ela ainda tem um sonho bem ousado: Juntar bons nomes da cultura local e montar a maior escola técnica de artes do centro oeste.
Pra mim, ainda é forte a lembrança dos corredores da Faculdade Dulcina e daquela moça da voz rouca que parecia um furacão. Tenho orgulho, admiração e o desejo de vê-la brilhar cada vez mais. Viu porque precisamos falar de Lucélia Freire?
"É preciso disciplina e respeito, é preciso ser verdadeiro e principalmente valorizar nosso trabalho. Dou muito de mim em sala, e acho maravilhoso trocar com pessoas que antes nem conheciam um teatro. Crio uma abordagem única, mais reverencio todos que me ajudaram a enxergar novas possibilidades. Honro minhas mestres e meus mestres, colegas, sócios. Todos foram de extrema importância para que eu pudesse traçar meu próprio caminho."
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