Foi em 2017 que ela entrou pela primeira vez num curso de teatro. Com algumas produções no repertório, está atualmente no ar através série "Nós", do Canal Brasil. Precisamos falar de Maria Léo Araruna!
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O teatro veio recentemente. Apesar dessa conquista só ter chegado aos 21 anos, Maria Léo Araruna sempre soube que precisava desse contato na vida. A vontade de ser atriz era forte e não importaria o momento em que essa trajetória fosse começar... e começou, efetivamente, no ano de 2017, quando participou do espetáculo de teatro-musical "Moulin Rouge", da ACTUS Produções. Desde então, não parou mais de fazer teatro.
Maria Léo cursa a faculdade de direito, mas se dedica fortemente ao estudo da interpretação e aos múltiplos caminhos para desenvolvê-la. Se ela não está nos palcos, está nas ruas e estabelecimentos comerciais realizando as performances que cria.
"A minha arte tem a necessidade de refletir uma crítica política e social. Prezo muito pela poética e pela mensagem que transmito. Por ser uma travesti - sujeita de um corpo marcado na sociedade - uso da arte como aparato bélico contra olhares violentos e como potência para provocar novos imaginários sobre as identidades dissidentes."
Em sua trajetória como plateia, muitas peças que fizeram parte de seu imaginário. Essa investigação através da fruição a ajudou a compor suas próprias histórias.
"O musical 'Moulin Rouge' foi uma experiência rica de conhecimento para todos os lados, mas que envolveu também muita resistência e paciência. Eu era a única pessoa trans naquele espaço e estava começando a minha jornada de atriz. Sentia que meu corpo era marcado por aqueles olhares, então não podia me dar a possibilidade de ser só mais uma ali. Colocava uma pressão sobre mim de ser muito mais que o meu próprio corpo, muito mais que qualquer expectativa e estereótipo que poderiam recair sobre mim. Tive que enfrentar a dificuldade de algumas pessoas em me reconhecer como mulher; tive que enfrentar pronomes errados, atos falhos e concepções rasas sobre o que é uma pessoa trans... Tudo isso sem permitir que essas questões atrapalhassem minha necessidade de me tornar atriz. E consegui. Foi uma experiência transformadora para todos os lados. Todo mundo saiu aprendendo muito e, no final, sobraram afetos e admirações que perduram até hoje."
Após essa experiência, Maria Léo desenvolveu seu segundo trabalho: a peça "Transmitologia", onde encarou seu primeiro monólogo.
"A equipe de construção dessa peça foi a família teatral mais linda que já tive: Kika Sena na direção (que também é travesti), Ana Quintas na luz e Arnold Gules no som. Estar sozinha no palco por uma hora na frente de um público imenso foi 'O' amadurecimento para mim. Mas é isso: sempre coloquei na minha cabeça que para eu chegar onde eu quero eu tenho que me jogar do mais alto penhasco e não ter medo da queda, das críticas e dos silêncios."
"Transmitologia" foi bem recebida pelo público. No enredo da obra, o decreto do fim do mundo e o extermínio de uma colônia, que culminou na utilização de abrigos subterrâneos com gêneros bem definidos, mostrando uma travesti perturbada e um demônio masculino de tetas gentis, conforme elucidado na sinopse. A peça lançava olhares e discursos reflexivos sore os paradigmas de corpos e mentes.
Há um ano, a atriz participou da gravação da série "NÓS" no Rio de Janeiro. O cotidiano de uma família serve de pano de fundo para a discussão de temas relacionados à sexualidade e padrões de gênero. Manu (Maria Léo Araruna) tem mestrado em matemática, mas recentemente foi preterida na bolsa de doutorado por ser trans. Apesar de ser um terapeuta especializado em lidar com casos de pessoas em transição de sexo e gênero, Romeu (Fernando Eiras) sofre com o desejo reprimido de se vestir com roupas tidas como femininas e coloca o casamento em xeque pelo medo da esposa descobrir seu fetiche. Há ainda o trabalho em paralelo com Beto (Gustavo Falcão), um maquiador cujo trabalho envolve produzir sessões de fotos com homens que desejam se fantasiar como mulheres. Diversas questões, numa única casa. Um drama familiar sobre as encruzilhadas do desejo e da identidade de gênero no complexo século 21.
"Eu gravei a série ainda da minha caminhada, no Rio de Janeiro. Estar nesse processo de fazer cinema me possibilitou um estudo aprofundado de roteiro, de como falar um texto, de entendimento real da importância de toda uma equipe para que uma única cena possa ser feita. Foi uma experiência que me abriu horizontes e novas vontades e fez, principalmente, que eu entendesse a importância de continuar estudando e me dedicando para realizar nossos sonhos."
Na série, Maria Léo dá vida à Manu, que busca na prostituição um refúgio para as lacunas de afeto, reconhecimento e pertencimento que a transfobia diária impõe sobre ela.
"O mais interessante dessa história, pra mim, é que não há somente uma personagem trans, mas várias. E toda a família da Manu se envolve em conflitos de questionamento sobre suas identidades de gênero. O resultado final foi maior do que eu imaginava".
Criada por David França Mendes e Rodrigo Ferrari e dirigida por Anne Pinheiro Guimarães, a série estreou no dia 18 de agosto no Canal Brasil e é exibida toda terça-feira. Assinantes do Globosat Play conseguem ver os episódios através do aplicativo geral ou pelo Canal Brasil Play. Todos os episódios estarão disponíveis, inclusive para não assinantes, por um mês, através da plataforma de streaming.
Além de tudo isso, a artista também se aventura fortemente ao processo de escrita. Seu livro, "Bricolagem Travesti", compila contos, poemas e ensaios com a temática de gênero e sexualidade. As narrativas navegam entre a biografia e a ficção. O nome do livro é uma brincadeira linguística e sociológica ao mesmo tempo. Bricolagem é fazer reparos sem especialização, ou seja, quando, por exemplo, alguém conserta algo em casa sem ter preparação adequada. Maria pega essa ideia para pensar na construção da identidade travesti e na luta histórica de quem se recria e se reinventa todos os dias.
"Sempre entre nós, por nós e sem a necessidade de poderes como o Direito, a Medicina e a Psicologia para nos dizerem quem somos. No livro, trago algumas mitologias e reflexões sobre como são fabricadas as travestis, como essas moças são produzidas. A partir disso, convido todas as outras identidades de gênero, principalmente as pessoas cisgêneras (que não são trans), a fazerem uma reflexão sobre quais são os mecanismos e discursos que as tornam possíveis."
Para conhecer mais sobre o trabalho de Maria Léo Araruna, acompanhe a artista pelo Instagram @marialeoararuna.
*Com Informações do site O Universo da TV.
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