Ele é ator, cineasta e tem feito sucesso no IGTV com esquetes que falam dos desafios vividos por Pessoas com Deficiência. Se somados, seus vídeos já ultrapassam a marca de 1 milhão de acessos. Precisamos falar de Victor Di Marco!
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Começou assim: Eu estava vendo os stories de pessoas que sigo e passei a ver compartilhamentos de vídeos curtos de um rapaz. Geralmente os vídeos começavam com uma pergunta bem sagaz. De início, apenas pulei os stories. Pouco a pouco, fui vendo que os vídeos repostados nos stories eram mais recorrentes. Sigo muitos artistas e colegas das artes, então percebi ali que havia um tema em comum entre eles. Segui o link direto e vi que tratava-se do instagram de um moço chamado Victor Di Marco. Criei coragem e dei o play num de seus vídeos e posso dizer, sem sombra de dúvidas, que foi uma experiência ARREBATADORA.
Quem não quer criar um bom conteúdo nesse período de quarentena? Vejo muitos perfis fazendo sátiras, esquetes de humor, dando dicas diversas, mostrando o dia-a-dia em prol de seguidores. Tentativas naturais e genuínas que muitas pessoas têm tido de gerar um conteúdo que seja válido, bem recebido e que repercuta nas redes sociais. Claro que a maioria não é muito bem executada e o excesso de ideias novas chega a cansar um pouquinho, pois, às vezes, a oferta tem sido maior do que a procura.
No caso dos vídeos de Victor Di Marco, fiquei super contente com o primeiro e já quis compartilhar com pessoas próximas. Para minha surpresa, muitas já conheciam. Na real, até alguns famosos que sigo já tinham repostado. Conectei o celular à minha televisão e maratonei os episódios todos. Ele fala de questões sobre a vida da pessoa com deficiência de maneira tão assertiva, didática, e necessária que o tema conduz a gente às mais variadas reflexões de nossa vida em sociedade. Terminada essa fase de euforia inicial, pensei: E se eu trocasse uma ideia com Vitor aqui pro Portal Conteúdo? Entrei em contato... e ele topou!
Vitor Di Marco tem 24 anos, é ator e cineasta e passou a fazer vídeos no Instagram para discutir o capacitismo e os desafios de uma pessoa com deficiência. Ele mora em Porto Alegre/RS e seus vídeos curtos apresentam temáticas delicadas de maneira direta, com terminologias e conceitos que nos fazem pensar muito sobre o preconceito, a vida em sociedade e os tabus que permeiam as relações interpessoais.
"Sou um artista com deficiência que está utilizando a ferramenta do instagram para fomentar esse debate que ainda é muito incipiente, tanto na arte quanto em outros meios da sociedade. Eu comecei a fazer esses conteúdos porque estou lançando meu curta metragem em festivais, que serão o-line devido a pandemia. Acabou que eu comecei a fazer isso como uma maneira de divulgar meu filme. Assim, gero conteúdo exclusivo que pode ser associado ao curta. A plataforma que eu criei pra eu divulgar meu próprio trabalho foi o IGTV. É meu próprio palco. Já que as pessoas nunca me deram isso, eu tive que criar".
Alguns vídeos do IGTV possuem mais de 250 mil acessos. Em seu primeiro vídeo, intitulado "O que é capacitismo", ele já mostrou a que veio. É aquela ideia que surge para reverberar e promover novos ecos em prol de uma melhor comunicação entre seu público. Nesse mesmo vídeo, ele encerra o episódio dizendo: 'Enfim... divulguem, espero que isso chegue em algum lugar!''. E chegou! Se somados, os vídeos têm mais de 1 milhão de acessos em pouco mais de dois meses.
"Eu nem sabia que esta com tantos acessos. De qualquer forma, fico feliz porque eu não esperava que fosse atingir nem 10 mil. Quanto mais 50, 300 mil. Hoje tem muitos influenciadores falando sobre deficiência e isso é muito bom. É um tema que desperta interesse nas pessoas. Talvez o que tenha levado as pessoas a se identificarem comigo talvez seja pela forma que eu falo. Eu tento ser muito didático e tento levar assuntos profundos de forma tão acessível. É muito bom receber o feedback das pessoas, falando de suas vivências. Eu fico muito feliz".
No processo de preparação, Victor e seu namorado, o também cineasta Márcio Picoli, trabalham juntos. Eles formam uma dupla de direção em seus filmes. Para os vídeos do Instagram, Victor monta o roteiro e Márcio adapta uma ou outra coisa quando necessário. Eles gravam as imagens e som juntos, depois editam e legendam cada episódio. Como Victor é ator, às vezes ele mesmo se dirige, Claro que um olhar de fora sempre auxilia muito. Dessa maneira, os dois dão toques pessoais para que o produto final esteja como querem. É uma via de mão dupla.
"O meu filme (O que pode um corpo?) entrou num festival muito importante - o Kinoforum - o maior festival de curtas do Brasil. A responsabilidade que tenho de estar num festival com um filme dirigido por uma pessoa com deficiência é muito grande. São muitas vozes que estão querendo ser escutadas há muito tempo. Com o Instagram é algo semelhante. Não sei se eu tenho real noção de quem vê os vídeos. A única coisa que sei é que são pessoas que se sentem acolhidas com o que eu digo. De uma forma curiosa, eu estou falando de corpos. E todas as pessoas têm corpos. Falo de pessoas com deficiência, mas acho que isso também é sobre corpos que são fora do padrão. E acho que muitas pessoas se enxergam nesses corpos diferentes... Nessas particularidades. As pessoas pensando nelas mesmas e eu falando de como eu me vejo".
Num dos episódios que mais me sensibilizaram foi o "PCD's e o Sexo". Nele, Victor fala abertamente dos tabus existentes sobre a sexualidade das pessoas com deficiência.
"É sempre um tabu falar de sexo. Ponto! Falar de sexo com corpos com deficiência é um tabu ainda maior. A gente ainda carrega a falsa imagem de que não somos um indivíduo e apenas deficientes. O termo Pessoa Com Deficiência - PCD veio justamente para colocar a Pessoa Antes da Deficiência e não a Deficiência Antes da Pessoa. O que acontece hoje é que muitos se esquecem que se trata de alguém, de uma humanidade. E quando te tiram a lógica da humanidade, a sexualidade também é tirada. Isso é fruto da lógica heteronormativa: a penetração como fator determinante do sexo. E sexo é o que tu quiser, neh? O sexo pode ser um olhar, um toque. Sexo pode ser muito mais".
Outro impactante episódio é sobre "O que é Cripface". O termo não é muito conhecido no Brasil. Ele acontece quando uma pessoa sem deficiência interpreta uma personagem com deficiência. A representatividade na arte, conforme Victor defende, é muito importante, pois é na arte que muitas pessoas conseguem se enxergar e ver uma possibilidade de felicidade. "Como uma pessoa com deficiência vai se enxergar se não vê pessoas como elas fazendo papeis que as representem?", diz ele na no episódio. Isso me fez lembrar de dois momentos da televisão brasileira...
Em 2000, o ator Flávio Silvino voltou à televisão após grave acidente de automóvel em 1993. Ele teve danos cerebrais e chegou a ficar em coma durante três meses e meio. Com muita luta, reaprendeu algumas atividades motoras. Com algumas sequelas na fala e na locomoção, o ator foi convidado pelo autor Manoel Carlos a atuar na novela "Laços de Família", onde interpretou a personagem Paulo. Na novela, a personagem vivia conflitos que mostravam sua evolução no tratamento físico e suas tentativas de romance. Foi um exemplo único na TV brasileira. Desde então, poucas vezes isso se repetiu. As cenas com Flávio eram naturalmente mais lentas, o seu tempo de fala era respeitado e a novela só ganhou méritos por essa condução sensível. A trama, inclusive, será exibida novamente no "Vale a pena ver de novo" a partir do próximo mês. Em outro momento, na novela "Viver a Vida" (2009), também de Manoel Carlos, a personagem Luciana, de Alline Moraes, sofre um acidente e fica tetraplégica. A atuação rendeu premiações por mostrar como vivia uma pessoa nessas condições. Vemos aí dois exemplos distintos: Num um ator com deficiência interpreta um papel de outra pessoa com deficiência e no outro uma atriz interpreta uma pessoa com deficiência. Perguntei a Victor o que ele achava disso e o artista respondeu:
"Na novela, a busca pela performance de atuação necessita de um representação. De uma interpretação que represente situações do senso comum. Uma interpretação que se utiliza de uma representação. Tem o risco de cair na representação daquilo que a sociedade entende como deficiência, mas são muitas questões envolvidas nisso. É por isso que em meus vídeos, digo que o risco maior do cripface é a não oportunidade de trabalho... A não oferta de vagas. É sobre pensar que alguém pode tirar nossa vaga de trabalho. É sobre pensar em não ter vaga no mercado de trabalho. Vivemos numa sociedade capitalista. Precisamos viver, precisamos trabalhar. Ser artista no Brasil já é difícil como um todo. Ser artista com deficiência é ainda mais difícil".
Victor tem proporcionado um movimento forte nas redes sociais através de seus vídeos ao falar tão abertamente sobre temas que muitos de nós conhecíamos, mas que não sabíamos como aprofundar Há nos vídeos uma propriedade de oratória que a gente para e assiste atento pra não perder nenhuma informação nova. Arriscaria dizer que muitos projetos culturais adorariam ter uma centelha de informações que os vídeos dele têm. É uma verdadeira aula em prol do respeito à pessoa com deficiência.
Por essas e por outras, precisamos falar de Victor di Marco. Para seguir o artista e acompanhar os vídeos do IGTV, CLIQUE AQUI!
"Eu sempre quis falar sobre isso. A sociedade sempre afirma às pessoas com deficiência que a gente não pode falar sobre isso. Pela minha imagem, pela forma que eu falo. Eu sempre tive muito problema em me ver falando. Percebi que era também uma autossabotagem minha. Postei o primeiro vídeo e no segundo eu já queria desistir. E continuei. É uma autoterapia. Eu gravo meus vídeos, edito meus vídeos me vendo falar e assim começo a me aceitar. É um processo que está sendo meu também. Sempre tento fazer que os vídeos gerem reflexão, porque eu também estou refletindo junto... É um processo meu, é o processo de muitas pessoas e isso acaba se tornando algo muito maior".
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