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Josuel Junior - Editoria

PROVOCADOR, ARTISTA PEDRO LEÃO GERA REFLEXÕES SOBRE MASCULINIDADE

Pedro Leão é aquele artista que, escondidinho em seu ateliê, cria provocações retumbantes que nos fazem pensar sobre masculinidade, sociedade, conservadorismo e liberdade de expressão. Veja a entrevista exclusiva com ele no Portal Conteúdo!

Nosso contato com Pedro Leão se deu através do Instagram e teve como ponto de partida a série "Andrometria", em que ele brinca com as palavras no papel. Em suma, trata-se de uma proposta em que, eliminando algumas letras, o sentido da palavra muda, embora ainda seja permitido ler resquícios da original. Esse "difusor ótico" chama a atenção do público mais atento. Aos poucos, acessando suas redes, fomos conhecendo melhor o trabalho executado e vendo que são muitas esferas, desdobramentos e provocações propostas por ele.


"A ideia por trás dessa brincadeira com a palavra "woman" me interessava porque ela representava uma visão minha dos homens como seres incompletos quando comparados às mulheres. A começar pela biologia. Uma mulher pode ter menos massa muscular do que um homem, mas isso se resolve com treino e exercício. Essencialmente, ela pode fazer tudo o que um homem faria. O homem, por sua vez, é uma mulher que não pode ter filhos. Eu sei que essa frase levanta toda uma discussão sobre mulheres estéreis, mas não vamos enveredar por esse assunto... As limitações também aconteciam do ponto de vista cultural: enquanto mulheres podiam participar cada vez mais de áreas que seriam tradicionalmente masculinas, os homens ainda hoje encontram limitações culturais que definem que eles não podem vestir determinadas roupas, não podem se comportar de determinados jeitos", comenta.

O trabalho do artista tem outro ponto importante: o uso de papel reciclado. Ele já usava a técnica de transferência por solvente para transferir imagens impressas para as pinturas, mas usava com foco em outros fins.

"Eu estava um pouco frustrado com os resultados da mais recente (Iokanaan). Estava com vontade de fazer algo mais moderno, que explorasse mais o material do que só a ilustração de um conceito. Foi aí que eu percebi que o papel reciclado e a transferência por solvente me davam possibilidades de brincar com o apagamento das letras do "woman" e ainda permitir a leitura da palavra original. Eram tantas possibilidades, que comecei a pensar em outras palavras. Daí nasceram Female, She, Deusa e outras que eu ainda não publiquei".


Com isso, ele já tinha amadurecido essa ideia. Faltava então um modo de executar ela.


"Ao produzir as peças, me ocorreu uma nova leitura desse trabalho. As ações que eu fazia para tirar as letras eram sempre muito agressivas. Me dei conta que eu era um homem cancelando o feminino para afirmar o masculino. E essa percepção me atingiu no dia em que soube que os índices de violência doméstica estavam aumentando durante a pandemia. Compreendi que o trabalho também era sobre isso. Sobre essa necessidade de homens menos informados de cancelar o feminino em si mesmos e nos outros ao seu redor, às vezes por meios violentos, para poderem afirmar sua masculinidade. Eu sabia que essa leitura do trabalho podia facilmente ser confundida com a ideia de que eu estava promovendo esse tipo de violência. Mas suponho que isso diga mais a respeito de quem lê a obra do que de quem a criou".

Os avós maternos de Pedro eram artistas de teatro muito conhecidos no Brasil: o ator Sérgio Cardoso (que não chegou a conhecer, além dos registros da TV, claro) e a Nydia Lícia, que foi uma presença fortíssima até o fim de sua vida. Foi na casa dela que Pedro fez seu primeiro ateliê. Embora ela não entendesse de pintura, ela entendia de artistas em início de carreira. Por isso, o apoiou com o espaço de ateliê.


"Talvez um dos trabalhos mais sérios que já fiz. Entre elas, há uma pintura em que eu me coloco no lugar do ator Jorge Fischer, contracenando e bebendo chá com minha avó em 'Chá e Simpatia'. Nós fazíamos isso: ela interrompia minha pintura para me chamar para tomar cappuccino na sala dela. Às vezes, me pergunto se deveria ter me tornado ator para aproveitar ainda mais essa relação e as referências que ela me traria. Mas desisti da ideia pelo medo de sempre ser 'O Neto de Sérgio Cardoso'".


Num dos links do seu instagram, chegamos num blog em que Pedro fala mais abertamente de suas obras. Um ateliê virtual comentadoo. Lá, vimos um trabalho inspirado sob o título de "Vampire: Road to Segra". Sobre ele, comenta:

"Vampire: Road to Segra"

"Essa foi uma daquelas pinturas que me deu muita satisfação pessoal, embora não tenha muito sucesso de público. Talvez porque ela lida com assuntos extremamente pessoais. Eu comento sobre o processo de criação no blog e convido todos a lerem. É uma pintura centrada em uma imagem minha, de uma época em que eu estava experimentando, redefinindo e amadurecendo a minha própria sexualidade. Uma época em que eu estava prestando atenção no meu corpo, me responsabilizando por ele e querendo que ele fosse visto. Eu vejo garotas adolescentes passando por esse processo, mas dificilmente vejo os garotos prestando tanta atenção no próprio corpo. E os que prestam essa atenção recebem todo tipo de crítica."

A discussão de masculinidades e invisibilização do corpo masculino é um assunto que interessa bastante ao artista. Afinal, nós sabemos como é censurada a nudez do homem e as menções imagéticas aos seus órgãos sexuais. A exposição pública da nudez feminina é melhor aceita (e para isso precisamos lembrar da grande objetificação sexual do corpo da mulher com o passar dos anos, principalmente nas décadas de 80 e 90 no Brasil), enquanto a nudez masculina, principalmente quando é fora da comunidade LGBTQIA+, é vista como uma afronta aos olhos, como algo que não pode ser exposto, ainda que o indivíduo retratato o queira. Na pintura "Vampire: Road to Segra" há elementos fetichistas inspirados em obras como a do italiano Saturno Buttò e na sua própria vivência nos eventos da comunidade fetish de Londres durante o mestrado que fez em 2011.


"Quando a pintura ficou pronta, hesitei em publicar ela. O problema não era o nu masculino em si. Aliás, publicar essa pintura era justamente um ato em favor da visibilidade do corpo masculino. O problema era minha posição como professor do 8º e 9º anos de Ensino Fundamental. A escola para a qual trabalho tem um bom programa de educação sexual, e novamente, a nudez masculina não seria em si um problema. No entanto, não era um nu qualquer. Era eu: o professor, uma figura de autoridade em uma posição exposta, vulnerável. Em um âmbito mais pessoal, este sempre foi um assunto que me interessou também: o erotismo maior dado à nudez de uma pessoa conhecida do que à nudez anônima. Mas a escola realmente não era o ambiente para explorar a questão."

Cock Porn e Piroca são obras que também brincam com o trocadilho de palavras para gerar riso e reflexão do público, burlando o sistema censor que gere as redes sociais

Fazer arte em 2021 tem outro sentido, uma vez que o governo e suas secretarias de cultura têm encarado a produção artísrtica e os artistas como inimigos. E agora, aoos olhos censores do instagram... Como é seguir fazendo arte pra ti neste momento do Brasil?


"Sinto uma polarização estranha acontecendo entre os usuários e as plataformas. Soube na semana passada que o Only Fans também vai passar a proibir conteúdo com nudez. Cada vez mais plataformas estão aderindo a isso e não vejo nenhuma delas fazendo o movimento inverso, de liberar a nudez. Por outro lado, usuários estão cada vez mais discutindo a nudez não pornográfica, e por vezes gerando conteúdo muito inteligente que satiriza o horror que as mídias sociais têm por mamilos femininos, por exemplo, ou por glandes. Outros estudam profundamente o funcionamento dos bots de censura e publicam conteúdo que mostra tudo menos aquele ponto específico que seria detectado pelo bot. Essa guerra toda torna mais difícil advogar a favor da visibilidade de corpos (masculinos e femininos) ou da normalização de sexualidades não-heteronormativas. Exagerando um pouco, minha sensação é de que as mídias sociais estão puxando o saco de setores muito retrógrados da clientela. Especialmente se considerarmos que cada um tem um certo controle sobre as contas que segue. Se você não gosta da nudez sendo divulgada em determinada conta, não siga! O algoritmo (este novo deus...) vai acabar compreendendo e evitando que conteúdo assim apareça no seu feed." Como ele mesmo pondera, "é fácil escorregar para uma leitura da produção que alinhe ela ao conservadorismo de direita do governo atual, especialmente se quem a lê ainda alinhar gênero biológico, performance de gênero e sexualidade como se fossem a mesma coisa". Isso acontece porque Pedro fala de masculinidades como um homem cis-gênero heterossexual. Porém, o que ele tem feito é apontar um dedo para o que as masculinidades tradicionais têm de obsoleto e dizer "já percebeu como isso é estranho?".


"A ideia é atualizar o tradicional. E no entanto, não sinto a necessidade de deixar de ser homem, cis-gênero ou heterossexual para fazer isso. Então, de uma certa forma, minha produção não concorda com o estereótipo político da direita, nem com o estereótipo político da esquerda. É um pouco como o dilema de quem se identifica como bissexual: você vai parecer 'indeciso' para muita gente. Além disso, como eu poderia ser alinhado à ideologia do governo atual, sendo um artista plástico sob um governo que prioriza outras coisas em detrimento da cultura?", explica.

Pedro Leão e suas experiências no ateliê

Parte de sua pesquisa recente vem acontecendo longe das mídias sociais e até longe do ateliê. Ela faz parte de uma tentativa de aproximação com seu próprio pai, resolvendo e revisitando ausências dessa figura paterna pouco vivenciada na infância. Nessa revisitação sobre paternidade, mais uma vez a masculinidade e suas potências e fragilidades têm sido objeto de investigação e reflexão. Inclusive, durante a realização da entrevista com Pedro, soubemos que o artista ganhou o prêmio máximo do 43º Salão Waldemar Belisario em Ilhabela. O trabalho que ganhou faz parte de uma série de imagens chamada “Para onde foram os Pais?” que lidam, justamente, com a ideia de ausência paterna.


A recepção das obras tem sido positiva nas redes. Woman foi vendida em uma exposição pela Galeria Tato em Julho, sendo a primeira pintura que Pedro vendeu para alguém que não era do seu círculo próximo de amizades e familiares. Atualmente, a produção do artista é assumidamente voltada para a pesquisa de masculinidades. Há uma ideia de organizar uma exposição sobre esse tema em São Paulo em 2022 junto com o Wilton Oliveira e o Caio Freixo (ambos já entrevistados por nossa coluna). Porém, caso alguma pessoa se interesse pelos temas explorados por Pedro, há também a possibilidade de realização de obras por encomenda.


"Acho que os maiores obstáculos nesse sentido são primeiramente a natureza do material que eu uso. Meu trabalho atual é todo feito em uma receita de papel reciclado que eu desenvolvi nas aulas com meus alunos mais velhos. Já percebi que, às vezes, uma pessoa interessada pelo tema do trabalho pode hesitar em adquiri-lo porque acredita que o papel será muito frágil e difícil de manter. Mas a própria produção do papel, que leva uma camada de tule entre duas camadas de papel, garante uma resistência muito boa. Além disso, ultimamente tenho experimentado com diferentes tipos de molduras que ajudam na preservação do trabalho. Eu sou bem acessível. Qualquer pessoa interessada no trabalho poderia simplesmente entrar em contato pelas mídias sociais. Vou adorar o contato", finaliza.


Para conhecer o trabalho de Pedro Leão, acesse:


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