Como fica o uso de termos LGBTQI+ em releases de produtos artísticos enviados à imprensa?
Um dos grandes desafios de assessores de imprensa é conseguir aliar a linguagem personalizada dos produtos de seus clientes com os padrões e normas vigentes dentro dos veículos de difusão de obras culturais. Quando um contratante procura um assessor de imprensa, ele confia a esse profissional a divulgação de seu projeto.
SOBRE A ASSESSORIA DE IMPRENSA:
O Serviço de Assessoria de Imprensa é diferente do serviço de Assessoria de Comunicação. Quando um grupo tem um Assessor de Comunicação é ele quem contrata o assessor de imprensa. É o assessor de comunicação que pensa nas estratégias, no que ele pretende, no pré-release, num cronograma de disparo e então o Assessor de Imprensa coloca tudo isso num padrão e dispara para a imprensa em si. Ele afunila o material e entra em contato com suas redes de trabalho. O Assessor de Comunicação anda com o grupo, participa de reuniões, gerencia a verba de impulsionamento ou de mídia paga, desenha as estratégias e gera conteúdo para repassar ao Assessor de Imprensa. Este, por sua vez, executa o serviço prático de angariar matérias nos espaços pré-dispostos a divulgá-las. São funções e aplicações de trabalho um pouco diferentes.
Em produções maiores, há três linhas hierárquicas na Comunicação de Produto Cultural:
*Coordenação de Comunicação – Que vai gerir todo o panorama da equipe; *Assessor de Comunicação do Grupo – Que vai delegar as estratégias e alinhar o trabalho prático com Fotógrafo, Cinegrafista, Designer Gráfico, Social Media e Assessor de Imprensa. Ele também irá definir qual é o valor que o grupo irá investir em anúncio pago; *Assessor de Imprensa – Profissional responsável por entrar em contato com jornalistas, colunistas e redatores de veículos midiáticos, tanto em mídia impressa (jornais, revistas), mídia televisiva, rádio e internet (sites, blogs e portais de cultura).
O controle de acesso às matérias é de responsabilidade de cada espaço que recebe o material do Assessor de Imprensa. O que a assessoria faz, como o próprio nome diz, é assessorar, criar uma ponte entre o produto apresentado e as redações de jornalismo e de produtores culturais.
SOBRE TERMOS LGBTQI+
Todas, Todes, Todos e Todxs – Esses exemplos de uma linguagem mais inclusiva, que atende aos anseios da comunidade não-binária estão se tornando cada vez mais populares (principalmente na comunidade artística pela internet). Na prática, qualquer alteração em texto oficial depende de vários fatores gramaticais e populares. Alguns canais de comunicação acreditam que a linguagem não-binária se faz muito presente (e até com bastante ênfase), porém, ela tem sido um fenômeno específico das redes sociais. O que tem acontecido é que muitas frentes populares têm usado as redes sociais como veículo máximo de informação – o que provoca um choque entre essa linguagem e as normas da língua portuguesa adotadas por veículos de comunicação.
O país está mudando e o jeito de escrever um release para imprensa também tem mudado. Um dos grandes desafios que assessores de produto cultural têm tido com obras do universo LGBTQI+ é que muitas delas pedem que no release sejam utilizados termos como Todes e Todx no lugar de Todas e Todos. No entanto, as redações jornalísticas e de veículos de comunicação seguem as normas adotadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e pelo Manual da Folha. Ambas têm como premissa a Língua Portuguesa Brasileira.
Historicamente, sabemos que língua portuguesa brasileira tem como matriz a língua portuguesa de Portugal que, por sua vez, tem como matriz o latim. O latim era a língua oficial do antigo Império Romano e possuía duas formas: o latim clássico, que era empregado pelas pessoas cultas e pela classe dominante (poetas, filósofos, senadores, etc.), e o latim vulgar, que era a língua utilizada pelas pessoas do povo. O português originou-se do latim vulgar, que foi introduzido na península Ibérica pelos conquistadores romanos. A adaptação e criação de normas da língua portuguesa tem toda uma referência ao tradicionalismo e patriarcado, dando predominância à figura de linguagem masculina.
O exemplo desse uso patriarcal da língua portuguesa pode ser observado nas regras do plural. Se há duas mulheres e um homem numa frase, o plural seguirá priorizando o homem. Observe:
“As atrizes Ângela e Marta estavam se apresentando com o ator Jorge Pontual. Os três artistas fazem parte de um grupo.”
Percebem que nossa língua ainda prioriza a figura masculina? Pois bem… Como dentro da comunidade LGBTQI+ existem indivíduos Agêneros, Cisgênero, Transgênero, CIS Gênero, Crossdresser, Drag Queen, Não Binário, etc., cada vez mais os produtores de eventos culturais e artísticos pedem que haja uma maior representatividade dos integrantes e das filosofias dos projetos nos releases oficiais enviados à imprensa.
Para avançarmos neste pensamento, darei uma pausa para elucidar um pouco sobre o que cada termo significa, tendo como base o Glossário de Gênero adotado pelo site Universa, da Uol (03/2018)
Agênero – É aquele que tem identidade de gênero neutra, ou seja, não têm um gênero.
Cisgênero – É o indivíduo que se apresenta ao mundo e se identifica com o seu gênero biológico. Por exemplo, se foi considerada do sexo feminino ao nascer, usa nome feminino e se identifica como uma pessoa deste gênero, esta é uma mulher “cis”.
Gênero fluido – Há pessoas que se identificam com aspectos sociais de mais de um gênero em momentos diversos de suas vidas. Ou seja, na prática, o indivíduo pode se sentir mulher em algum momento, homem em outro ou até “flutuar” por outras identidades de gênero, como agênero.
Transgênero – Este é um termo “guarda-chuva”, segundo a GLAAD, organização LGBT americana que monitora como os membros da comunidade são tratados pela mídia. Ou seja, ele abrange todas as pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascer. No entanto, entre a comunidade trans é possível encontrar ainda identidades como “transexual” e “travesti”. Ambos os termos podem designar pessoas transgênero, mas nem toda pessoa transgênero se sente confortável ao ser tratada por estes nomes. É importante perguntar e esclarecer, caso haja necessidade. Muito frequentemente, o termo transexual se refere a uma pessoa que passou pela transição de gênero de maneira física, através de cirurgia de confirmação de gênero para adequação dos genitais e de tratamento hormonal. Já a travesti seria aquela a quem foi atribuído o sexo masculino ao nascer, mas que se veste e se expressa com características femininas. Nem todos os transgêneros, no entanto, buscam este tipo de transição.
Crossdresser – A palavra designa uma forma de expressão de gênero. É um indivíduo crossdresser aquele que se veste com roupas associadas, socialmente, a um gênero diferente do seu. A prática não tem em nada a ver com a orientação sexual. Um homem crossdresser pode ser hétero, por exemplo. Ele pode sentir desejo sexual por mulheres.
Drag Queen – Diferente do anterior, este termo caracteriza uma expressão artística. Normalmente, ele é associado aos homens que usam roupas do gênero feminino para uma performance. Esses artistas podem ser mulheres, ainda que seja menos comum. Também existem drag kings, mulheres que se vestem com roupas socialmente associadas à expressão de gênero masculina.
Não-binário – Termo associado a pessoas cuja identidade ou expressão de gênero não se limita às categorias “masculino” ou “feminino”. Algumas pessoas não-binárias podem sentir que seu gênero está “em algum lugar entre homem e mulher”, segundo a GLAAD, ou até podem definir seu gênero de maneira totalmente diferente — e distante — destes dois polos. Não é, necessariamente, sinônimo de transgênero ou transexual. Uma pessoa não-binária também pode se apresentar como “genderqueer” ou afirmar que tem identidade de gênero “não-conformista”.
Sim. São muitas as derivações e elas mudam com o passar dos anos, o que é natural. O uso desses termos, quando muito repetido por um grupo e uma comunidade tornam-se exemplo de outro termo muito adotado pela sociologia e pela comunicação: o Vox Populi.
Vox Populi é uma expressão e também um provérbio antigo. O original é “Nec audiendi qui solent dicere, Vox populi, vox Dei, quum tumultuositas vulgi semper insaniae proxima sit”.
A tradução do provérbio para o português é: “E essas pessoas não devem ser ouvidas por quem continua dizendo que a voz do povo é a voz de Deus, já que a devassidão da multidão sempre está muito próxima da loucura.”.
Atualmente, quando uma expressão ganha força popular, ela se torna uma expressão/ uma opinião Vox Populi porque “A voz do povo é a voz de Deus”. Deu pra compreender?
As terminologias e expressões da linguagem adotada por grupos e comunidades LGBTQI+ estão entrando gradativamente no vocabulário popular. Logo até passarão a ser um exemplo de Vox Populi, mas por enquanto o uso é bem restrito. Ele é forte mesmo nas redes sociais.
Na linguagem jornalística e de comunicação, essas expressões ainda não foram totalmente inseridas, justamente pelo o que foi escrito acima: A aplicação delas ainda não faz parte do vocabulário popular e das regras da língua portuguesa num panorama geral. O uso delas nas redes sociais não obriga o uso delas em textos padronizados para o envio à imprensa. Por isso, os assessores devem conversar com seus contratantes para avaliarem, caso a caso, a utilização ou não nos releases.
Como não estão inseridas dentro da ABNT e do Manual da Folha, os assessores de imprensa podem sim utilizar tais expressões e modos de escrita em seus releases oficiais disparados à imprensa, mas é de responsabilidade de cada linha editorial de jornal, site, emissora, rádio, revista, etc, utilizar ou não tais termos no texto jornalístico final. Pode ser que num mesmo jornal, um jornalista não veja problema em inserir em suas reportagens termos como “todes” e “todxs”, porém, o jornalista tem na linha hierárquica da redação do jornal o Editor-Chefe e o Chefe de Redação. Geralmente eles aprovam ou não o produto final para impressão, pedindo reedição ou simplesmente cortando o trecho.
Outra questão importante dentro dessas variações linguísticas:
Alguns grupos LGBTQI+ usam o X no lugar das vogais A ou O para não definirem masculino ou feminino. Por exemplo:
“Todx x artistas presentes no evento comemoraram a premiação do espetáculo.”
Outros grupos preferem usar: “Todes artistas presentes no evento comemoravam a premiação do espetáculo.”
Olhando superficialmente, é compreensível, mas há um outro público que não concorda com o uso da letra X porque ela não é legível e interpretada por aplicativos e programas tecnológicos que atendem cegos. Um aplicativo lê a junção de sílabas com o X e não traduz foneticamente. Por isso, é defendido o uso da vogal E no lugar da letra X para que a palavra não priorize gênero masculino ou feminino.
No Brasil são muitos os veículos que já flexibilizam essa forma de linguagem, como o Catraca Livre, Brasil de Fato, alguns jornalistas do Correio Braziliense e Uol.
É sabido que para comunidade LGBTQI+ esses termos são importantes enquanto questão de representatividade, mas a consciência de que eles fazem parte, pelo menos por enquanto, da linguagem da internet e das redes sociais se faz necessária.
O cliente de produto cultural vai entender que o assessor de imprensa vai tentar incluir os novos termos e as variações linguísticas no release oficial disparado à imprensa, mas também precisa entender que o jornalista que vai receber o material poderá usar o termo, adaptá-lo para a linguagem adotada pelo jornal ou até achar confuso demais e não querer usar a pauta. É um risco e esse risco precisa estar “acordado” entre o produtor da obra e o assessor, justamente para que o assessor não seja responsabilizado caso um termo LGBTQI+ não binário entre no texto final do jornal, site ou revista como masculino ou feminino. Há redações mais conservadoras. Para essas, o ideal é manter o que está na ABNT.
A mudança é gradual. Ela é importante e necessária enquanto representatividade, mas ainda é uma variação, uma derivação. Com o tempo irá mudar. É só termos paciência e compreendermos as duas faces da notícia: a de quem se oferece para ser a notícia e a de quem escolhe a noticia que vai ao ar. Lembrando que o projeto cultural tem uma data para começar e terminar… Já o trabalho do assessor não para. Um projeto termina e, na semana seguinte, ele vai vender outras pautas para os mesmos veículos. Por isso é importante o diálogo.