A novela "Tropicaliente" é um dos destaques do mês do Globoplay, mas não se engane... Ela é legal na teoria. Na prática, é beeem chatinha.
Depois de ter feito sucesso com a infantil "Sonho Meu", que se passava em Curitiba, a Globo apostou num cenário nordestino pra novela substituta. "Tropicaliente", exibida no horário das seis, tinha sim um apelo ensolarado bem interessante, mas ele só dura no primeiro mês. Depois a novela fica toda gravada em estúdio e assume um enredo melancólico por meses. Talvez pela própria história e pela divisão dos núcleos protagonistas.
A novela era sobre o triângulo amoroso vivido por Silvia Pfeifer, Herson Capri e Regina Maria Dourado. No entanto, era preciso também ter um núcleo de romance menos maduro... É aí que Carolina Dieckmann, Selton Melo e Cássio Gabus Mendes sustentam o outro lado da trama. A escalação de elenco pecou um pouco e o excesso de personagens fez com que alguns núcleos tomassem muito tempo no ar.
A abertura, num momento surrealista de Hans Donner, mostrava modelos em contraste com a natureza e com elementos tropicalientes, que dão nome à trama. Algo bem interessante mesmo. Porém, a novela ensolarada passou muito tempo com o clima nublado, triste, pesado. A relação de amor da rica empresária Letícia Vasquez com o pescador de camarão Ramiro Soares não era feliz. Era sempre triste, mal resolvida, lenta. Ramiro e Letícia haviam sido amantes no passado. Depois de se casar com Serena e ter dois filhos com ela (Açucena e Cassiano - Márcio Garcia), ele resolve resgatar esse amor do passado. Em vão. Era só tristeza, Djavan tocando e desapontamentos com o romance datado.
Por sorte, Dalila (Carla Marins), Cassiano e Pitanga (Gabriela Alves) deram outro tom à trama, mostrando a parte tropical e caliente de que a novela tanto carecia. De outro lado, temos Ester (Ana Rosa) e Samuel (Stênio Garcia), que representaram muito bem os coadjuvantes de peso que costuravam a história. Às vezes, até um pouco acima do tom, já que a novela ficou longa e novos dramas foram incorporados, como o mistério que Samuel carregava em sua relação com Manoela (Cinira Camargo), a dona do bar que nunca sorria e que controlava a filha Pitanga. Manoela tinha como pai o timoneiro Bujarrona, grande confidente de Samuel que guardava um segredo dos mares em seu baú. No final, descobrimos que o segredo tinha a ver com uma criança desaparecida num naufrágio - o pequeno Franchico.
Sério... as vinhetas de intervalo eram animadíssimas, mas quando a novela recomeçava a melancolia distoava do tema vendido, dessa coisa ensolarada, feliz, pra cima ao som de Elba.
Como de costume nas novelas de Walter Negrão, o vilão se torna psicopata, sociopata. Vitor Velasquez infernizava a vida de sua mãe, Letícia, meses a fio. Ele guardava grande rancor por acreditar que ela havia assassinado seu pai, Jordi (Jonas Bloch), no passado. Na verdade, ele era um machinho escroto que abusava da esposa. Numa das tantas brigas, Letícia o empurra ao se defender de uma agressão e ele cai da escada, morrendo em seguida. Esse mistério consome a novela por um bom tempo.
Letícia tinha também como filha Amanda (Paloma Duarte), moça de forte temperamento que se apaixona por François (Victor Fasano), que já estava de namorico com a matriarca. O quase triângulo amoro era embalado pela música "Menina", de Netinho... "Meeee-ni-naaaaaaaa, como pude te amar agora?". Ainda no núcleo jovem, havia um respiro menos praieiro e mais despojado a cargo da ótima parceria entre Adrenalina (Natália Lage) e Pessoa (Guga Coelho). As músicas "A Praieira", de Chico Scienze e Nação Zumbi e "Pensamento", da banda Cidade Negra, são a cara dos dois.
Aliás, a trilha sonora nacional era ótima e apresentou algo até então inédito na televisão. Assim que terminou a Escolinha do Professor Raimundo e começou o primeiro capítulo de "Tropi", a Globo lançou na lata o comercial do LP Nacional. Lembro que foi estranhíssimo isso. A novela nem tinha começado e já estava sendo vendido o primeiro disco. Inclusive, tive um conhecido que morava numa das locações da trama em Fortaleza e ele conta que os moradores da vila receberam também, cada um, um disco da novela na época. Isso nem Vídeo Show sabia! Era uma trilha interessante. Tinha Beto Barbosa, Elba Ramalho, Netinho, Dorival Caymmi, Roberto Carlos e as melosas canções de Jorge Vercílo e Djavan. Veja bem... não estou falando que as músicas eram ruins. São lindas! Mas tocavam tanto que cansavam. Quando Letícia tava triste logo vinha o verso "Um diiiiiia preciiiiiiiso ir na caaaaaasa da sooooooooolidãaaaaaao". E quando Serena se entristecia era a ver de Vercílp entrar ao som de "IaaaaaaRáaaa Iêeeeee IaaaaRáaRáááaaa Ai meu sol, meu beeem...". Destaque para o forrozinho "Menino Lindo", da Banda Flor de Cheiro.
A Internacional já veio meio sem compromisso. Era uma seleção boa até, mas pouco aproveitada na novela.
"Tropicaliente" é o típico exemplo de que uma novela não precisa ser boa para ser inesquecível. Era uma novela mediana com uma proposta boa, que, na prática, se transformou num melodrama arrastado com figurino de praia. A gente sabe que quando uma novela é gravada em outro estado ou país, não é sempre que se vai à locação original. As cenas são geralmente gravadas no primeiro mês e aproveitadas por todo o período no ar, vide "O Clone", "Sonho Meu", "Salve Jorge"... Mas no caso de "Tropi", pelo fato de esticarem a novela para que acabasse no último dia de dezembro de 1994 (por causa da estratégia de estrear "Irmãos Coragem" em 95), ela terminou cansada, nublada, com cenas demais em estúdio. A típica novela que não é tão legal, mas que gera muito carinho do público pela lembrança que ela proporciona daqueles anos 1990 onde as meninas compravam sandálias da Açucena, tops da Dalila (e da Babalú na novela das sete).
Ela é muito bem quista dentro da Globo porque obteve sucesso de exportação. Foi vendida para muitos países e representou a visão que se tem do Brasil enquanto país tropical. Por isso, lá na Rússia, fez tanto auê (lembremos que a Rússia tem clima frio, logo, uma novela quente como "Tropi" naturalmente causa estranhamento e fascínio). Lá ela se chamou "Tropikanka" (ou algo assim). O sucesso fez com que sua sucessora no país, "Mulheres de Areia", se chamasse também "Tropikanka". Há fontes que dizem que é "Tropikanka 2" ou "Tropikanka - O Segredo da Mulher Tropical". De todo modo, o produto tem seu mérito, principalmente no que se refere à proposta inicial: Um amor do passado num clima de praia.
Curiosamente, a novela demorou a passar no Vale a pena ver de novo para os padrões da época (que tinha a média de 3 a 4 anos entre a exibição original e a reprise). O retorno mesmo só veio em março de 2000, substituíndo a longa reprise de "A indomada" (longa porque a novela tinha pouquíssimo tempo de arte no ar por causa da estreia do Mais Você meses antes). "Tropicaliente" foi tão compactada que ficou confusa. Embora tenha passado em 79 capítulos, ela foi menor em tempo de exibição do que "Felicidade", reexibida dois anos antes em 55 capítulos. Isso acontece porque "Felicidade" tinha capítulos longos, de cerca de 59 minutos sem comercial. Já "Tropi" passou em 78 capítulos de 37 minutos com o último maiorzinho, com quase uma hora. Pra quem gravava a novela em VHS era nítida a diferença: "Felicidade" coube em 9 fitas VHS T120 (6 horas) e "Tropicaliente" em 8 fitas VHS T120 (6 horas) - Logo, com bem menos tempo de arte no ar.
Para os saudosos de plantão, vale assistir no Globoplay pela nostalgia. É um recorte bem interessante do que era produzido na década de 1990.
"Tropicaliente" tem 194 capítulos e possui direção geral de Gonzaga Blota.
Entre as novidades de fevereiro no streaming da Globo, há também as novas temporadas das séries "Chicago Med" e "Chicago P.D.", além de "Paraíso Tropical". Para quem gosta das novelas da Televisa, a plataforma traz com exclusividade anovelas estrangeira "Império de Mentiras". Já de Portugal, vem aí duas temporadas da novela "A Impostora". Fechando o mês, tem a estreia da primeira parte de "NCIS Havaí – Investigações Criminais", além das séries "NCIS e NCIS: Los Angeles".
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